Friday, September 29, 2006



Invejo a todas as pessoas o não serem eu. Como de todos os impossíveis, esse sempre me pareceu o maior de todos, foi o que mais se constituiu minha ânsia quotidiana, o meu desespero de todas as horas tristes.

Thursday, September 28, 2006

=)

Em páginas em branco leem o que mais ninguem lê, na escuridão veem o que ninguem consegue ver, no silêncio ouvem tudo o que precisam e, sem mexer um musculo que seja, dizem mais do que qualquer outra pessoa.
Riem do vazio (e do resto) e, mesmo quando não vertem uma lágrima, choram juntas mais vezes do que se pensa.
Juntam-se porque não têm mais nada para fazer, porque não, porque sim. Juntam-se.
Vivem várias vidas ao mesmo tempo ainda que, por vezes, ninguem (para além delas) se dê conta disso.

E quando, por ausencia ou distancia, não estão todas, sabem, ainda assim, que continuam a ser um conjunto de quatro peças.

*


Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do meu coração. (...) Mas às vezes sou diferente, e tenho lágrimas, lágrimas das quentes dos que não têm nem tiveram mãe; e meus olhos que ardem dessas lágrimas mortas ardem dentro do meu coração. Não me lembro da minha mãe. Ela morreu tinha eu um ano. Tudo o que há de disperso e duro na minha sensibilidade vem da ausência desse calor e da saudade inútil dos beijos de que me não lembro. Sou postiço. Acordei sempre contra seios outros, acalentado por desvio.

Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem outro seria eu se me tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos beijos na cara pequena? Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande parte na minha indiferença sentimental. Quem, em criança, me apertou contra a cara não me podia apertar contra o coração. Essa estava longe, num jazigo - essa que me pertenceria, se o Destino houvesse querido que me pertencesse. Disseram-me, mais tarde, que minha mãe era bonita, e dizem que, quando mo disseram, eu não disse nada. Era já apto de corpo e alma, desentendido de emoções (...). Meu pai, que vivia longe, matou-se quando eu tinha três anos e nunca o conheci. Não sei ainda por que é que vivia longe. Nunca me importei de o saber. Lembro-me da notícia da sua morte como de uma grande seriedade às primeiras refeições depois de se saber. Olhavam, lembro-me, de vez em quando para mim. E eu olhava de troco, entendendo estupidamente. Depois comia com mais regra, pois talvez, sem eu ver, continuassem a olhar-me. Sou todas essas coisas, embora o não queira, no fundo confuso da minha sensibilidade fatal.

Cláu, ontem na mensagem eu não estava "assim", acho eu. Está tudo bem=)

Desapareceu um velhote aqui na Damaia!

Wednesday, September 27, 2006

Havia sossego e trabalho conjuntos, e eu não tinha que fazer. Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me para existir. Passeava de um lado ao outro do quarto e sonhava alto coisas sem nexo nem possibilidade - gestos que me esquecera de fazer, ambições impossíveis realizadas sem rumo, conversas firmes e contínuas que, se fossem, teriam sido. E neste devaneio sem grandeza nem calma, neste atardar sem esperança nem fim, gastavam meus passos a manhã livre e as minhas palavras altas, ditas baixo, soavam múltiplas no claustro do meu simples isolamento.
(...)
Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.

Bull Terrier Bull Terrier Bull Terrier!

Tuesday, September 26, 2006

=)


Os echo de menos*

[dalila desculpa nao ter respondido à mensagem....tadoro mto e isso nao muda - com nada!*]

Tenho que escolher o que detesto - ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Resulta que, como detesto ambos, mão escolho nenhum; mas, como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra.

Monday, September 25, 2006

Para recordares o melhor que por cá existe: Pessoa

Considero a vida uma estalagem onde tenho de me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada.
Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me enocntro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência.
Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro.
Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, sem se entretiverem, será bem também.

O bolinhas teve um furo.
"Entretiverem" é daquelas palavras que eu ia sempre dizer estar incorrecta.

Saturday, September 23, 2006

..


Aptecia-me escrever um texto, assim à toa como às vezes faço, mas não sou capaz. Falta-me a inspiração (que no fundo se resume à não abstraçao).

Tim amante...um puzzle, como tu dizes!

*Beijao*

Friday, September 22, 2006



Nada está sempre errado. Até um relógio parado está certo duas vezes por dia!

Já me inscrevi no Cervantes... e a Ceição lembrou-se mesmo de mim para participar no projecto que ela me falou, tão fofa. Tenho de falar com ela para perceber melhor do que se trata.

Thursday, September 21, 2006

Aos meus anjos da guarda: Obrigada*

Era uma vez um catraio, (...) que cegava a mãe com tanta tropelia e diabrura. Ia a banhar-se no rio e obrigava o seu anjo da guarda a molhar as saias para tirá-lo de lá, ia a empoleirar-se no mais alto das árvores e lá tinha o anjo de bater as asas para o pousar em terra firme, ia para a linha do comboio e lá ficava o anjo com os canudos em palmito para pescá-lo da ventania da máquina, ia a meter-se na toca do lobo e tinha o anjo de acender a auréola para assustar o bicho, até que um dia disse ao catraio, vê se me dás descanso que eu tenho vinte mil anos e estou esfalfado da correria em que me fazes andar, vê se cresces, moço, que um anjo não é de pau. O moço pouco melhorou, andou o anjo naquela estafadeira anos e anos até que o moço cresceu e deu de se apaixonar por uma feiticeira que atraía os homens e os comia e deitava os restos às suas hienas gargalhosas.
Quando o moço ia a entrar na sua gruta o anjo perdeu a compostura e começou a dar-lhe carolos e a gritar, se entras aí não te posso valer, que essa mulher tem parte com o diabo e aqui à porta se acaba o meu poder. Mas ela saiu a esperá-lo, era tão linda que até o anjo estremeceu na sua alvura, levou o moço para dentro e o pobre guardião ficou à porta a arrepelar os caracóis em desespero.
Passada a noite, a feiticeira deitou fora os pedaços do moço que lhe sobraram e antes que viessem as hienas gargalhosas o anjo ali o costurou, já não era o moço de antigamente, faltava-lhe a melhor parte da carne, mas ainda mexia e disse ao anjo:
- Bendito por me protegeres e me coseres os bocados, mas em verdade te digo, se não tivesse ido lá de rojo a conhecer o diabo em forma de mulher, não te conhecia agora a bondade em forma de anjo. E seguiram o seu caminho e nunca mais se desavieram.

Wednesday, September 20, 2006

Liberdade



Quando tens a mão aberta e um pássaro pousa nela, não o apertes.

Beijinhos dos dois. Para ti.

ps: Mas é que te tirávamos essas manias espanholadas num instantinho! Olha, olha... vinte anos com a língua mãe, apagados com uns diazitos em Espanha!

Grrrand late.

Tuesday, September 19, 2006

1ºpost enquadrado, realmente, na ideia deste blog

Noite. Escuro. Risos. Conversas. Rua. Pessoas. Bebidas. Bares. Movimento. As minhas noites têm sido parecidas mas sempre diferentes.
Conto aos meus mais recentes amigos algumas das noites que passávamos aí, na rua, no wc, no carro, bares, cafes, etc. Riem-se. Rimo-nos. Mas se vos contasse as minhas noites seria a mesma coisa, rir-nos-iamos todas.
Já me adaptei. Já conheço Salamanca sem mapa mesmo nos sitios onde nunca estive. Já conheço pessoas, costumes, já lhe aponto defeitos e claro, a cada dia me fascino mais. É do melhor.
Dizem que tenho um sotaque mesmo estrangeiro. Farto de me rir. Já fiz palhaçadas, já disse disparates, quase nunca me apetece vir para casa (desculpem, sei que a minha casa é aí, mas neste contexto tenho de tratar o meu quarto como minha casa) até porque há sempre uma outra casa onde ficar.
Se me perguntarem, "estás feliz?", "estás bem?",a resposta é só uma e o mais sincera possivel (como, aliás, entre nós sempre é), Sim.
Estou bem e não me sinto sózinha. Adoro isto.

Mas, às vezes, queria mesmo muito que tivessem aqui pelo menos cinco minutos. Queria poder ficar calada e saber que havia, pelo menos, alguém que me ía entender, que ía ler-me a alma e saber, em silêncio, tudo o que sinto e penso.

Não podia gostar mais de isto. Mas é impossivel não sentir a vossa falta.

Adoro-vos.
*


[P.S.-Fui avisada que isto tinha erros....desculpem mas não os detecto. Sei que é grave mas a verdade é que já começo a notar os efeitos do espanhol, dou mais erros no português, e utilizo expressões que em portugues não se usam. A minha professora depois dir-me-a quais sao os erros....que vergonha!]

[P.S.2- Fogo voces tb....devem achar k a minha cabeça da para tudo. A estrutura espanhol é diferente, o "Não posso gostar mais DE ISTO" estaria correcto em espanhol, assim com o "Farto de me rir", achava convictamente que sozinha tinha acento, e os sítios onde faltam acentos tb sei (mas quando escrevo na net nem sempre ponho os acentos todos). OK o ia e o de que podem reclamar. Mas lembrem-se que a minha caxola nao da para tudo (muito menos agora) e inda por cima há coisas que em espanhol sao o oposto do portugues e que todos os dias me corrigem pelo que o meu portugues vai ficar uma treta. Já pergunto "que tal?" em vez de "tdo bem?", e "que pasa?" em vez de "o que foi?" e ja digo galicia em vez de galiza....como tal não exijam demais!LOL! mas sim....corrijam-me =) que faz bem!]

Monday, September 18, 2006

Einstein

O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.

Friday, September 15, 2006

O tempo é a substância da qual somos feitos...

Thursday, September 14, 2006

This is just a nightmare
Soon I`m going to wake up.

Wednesday, September 13, 2006



Quatro seres. Uma música de fundo que inunda os olhos dos ouvintes, não por ser lamechas ou ter qualquer tipo de significado em si, mas sim porque o seu significado vai muito mais além. Era a música de fundo que as gargantas dos quatro seres berravam em noites de loucura. Um desejo de que a música não acabe, para que a hora não chegue. Mas a música acaba, o tempo passa. Um abraço que desfaz. Outro abraço que dói. Um último abraço que quase não é, é apenas um toque de braços e beijinho. Um ser que corre. Não sabemos atrás de quê, ou do que foge, nem ele sabe. As lágrimas vão com ele. Três seres que ficam e não o olham. Que não se olham e partem silenciosamente. Três seres e as respectivas lágrimas. O vazio de um elemento.

A vida é como um livro que deve ser folheado página por página, sem se consultar o índice.

Assim será (esta é a música favorita de um dos seres). O mais pequeno, e que nunca chora. Ou quase nunca.

Tuesday, September 12, 2006

Alentejo

Entre Lisboa decadente e frágil na sua condição de cosmopolita, e a raia, fica uma faixa de terra cheia de povos misturados, com uma história forte e um cantar que nos ampara nos momentos de todas as dúvidas. a envolver tudo, o mar, que não sei se nos encostou a Espanha, ou nos libertou.

É uma terra de contrastes - entre as planícies douradas pelo Sol e o gelo imposto pelo Inverno, entre as vinhas que tornam os seus frutos apetecidos um pouco por toda a parte e os campos de cereais que durante tanto tempo levaram a que esta região fosse baptizada de celeiro do país. Atravessando o rio Tejo entra-se num outro cenário, de contemplação e tranquilidade mas também de grandes tomadas de posição, de resistência.

Monday, September 11, 2006



A tristeza pode sempre sobrevoar a tua cabeça, mas nunca a deixes fazer um ninho.

Sunday, September 10, 2006

truth

"Não há uma verdade, há dezenas de verdades. O desafio é fazer com que todos concordem com uma versão."

Saturday, September 09, 2006

Era uma vez um melro falante (...). Falava com voz de homem e empoleirava-se no ramito mais alto da floresta para dali pregar aos outros passarinhos.
Dizia-lhes para louvarem a Deus, para lhe agradecerem a terra, as árvores e o vento, as asas e o canto.
Dizia-lhes que se mostrassem gratos por cada grão de trigo e cada manhã de sol, pelo calor do ninho e a frescura da fonte.
Mas um dia pareceu ao melro falante que os gorjeios dos seus iguais não eram bastante claros para louvar a Deus e põs-se a ensinar-lhes a lígua dos homens, que ele próprio recebera como um dom. Por mais que abrissem os biquitos para piar não lhes saía bê nem bá nem tê nem tá, mê nem mi, nem vê nem vi. O melro falante vá de lhes chamar nomes, de estúpidos para baixo levaram uma roda de insultos, até que Deus lhe tirou o pio e lhe disse, a arrogância destrói o talento e agora nem bê nem bá nem tê nem tá, mê nem mi, nem vê nem vi. E me louvarás com voz de melro e todos os pássaros do mundo igualmente e cada um com a sua.

Friday, September 08, 2006

Mais hip-hop tuga SP & Wilson chegaram para fazer Barulho


Os rapazes SP & Wilson trazem um brilhozinho nos olhos e o caso não é para menos. Ao primeiro disco, a dupla portuguesa de pé fincado em Angola está a cativar a atenção do público e até de ilustres companheiros de profissão. O episódio mais marcante no percurso dos autores de Barulho aconteceu há bem pouco tempo, (...) e envolveu Matisyahu. "Eu disse ao Wilson: vamos fazer beatbox, vão-nos ouvir e vão-nos convidar para tocar com eles, amanhã, no Coliseu", recorda SP.

Wilson duvidou, mas o convite chegou mesmo.
"Aprendemos muito com eles, mas eles também aprenderam connosco", acredita SP. "Lá fora, os beatboxers seguem todos a linha do hip-hop, r&b, ragga, drum`n`bass. Nós puxamos muito às raízes africanas e ao lado brasileiro".
Talvez porque nem SP nem Wilson são hip-hoppers empedernidos. "Eu cresci a ouvir Nirvana, Metallica, Iron Maiden... Enigma! E também música africana", revela SP, que passou os primeiros anos da sua vida entre angola, Portugal, Brasil e Inglaterra. Aluno de um colégio interno, Wilson ouvia mais kizomba do que hip-hop. Quando decidiram fazer um disco, Sp e Wilson picaram "dois ou três discos" do género, para não fazerem fraca figura: "Tudo o que sai em Portugal de hip-hop tem sido fresco, então também quisemos fazer uma coisa fresca", justifica Wilson.
"Há quem diga que somos apanhados da cabeça... puxámos isso para o álbum - o principal é que as pessoas se divirtam a ouvi-lo", completa o companheiro.
Em disco e ao vivo, os dois amigos têm conquistado fãs: "talvez seja por causa do beatbox, que é uma arma", especula Wilson. "Muito pessoal do rock e de estilos que não têm nada a ver com o hip-hop adere!". Apesar do burburinho em seu redor - e do entusiasmo feminino habitualmente demonstrado - SP & Wilson não embandeiram em arco. "Apenas seremos famosos quando formos ao Japão e um telemóvel tocar e for o nosso ringtone", declara SP. "As pessoas vêm ter connosco e pedem-nos autógrafos, mas é uma coisa que estamos a tentar tornar banal. Queremos que seja como ir na rua e ver passar um carro".
A viatura SP & Wilson continua em trânsito pelo país, este Verão.

Foto: A dita Koala =) na minha barraca

Thursday, September 07, 2006

Medo.
Deve ter uma definição relativamente simples. Bem mais simples do que a sua concretização na prática.
Deve dizer que se trata de um estado normal que afecta o ser humano em determinadas situações bastante específicas.
Deve dizer que se traduz em expressões de rosto caricatas, em faces pálidas, em tremores estranhos...
Deve dizer que produz aquilo a que se chama nervos e que, consequentemente, provoca dores de barriga, pernas bambas...
Deve dizer que faz com que muitas vezes existam hesitações.
Mas o medo não pode ser assim tão negativo.
Devia dizer que ensina o ser humano a pensar.
Devia dizer que ensina a avançar mesmo sem ter a certeza se será o melhor a fazer, afinal é mesmo isso a vida. Um non stop de desconhecido.
Devia dizer que nos faz cair e magoar, mas que depois nos faz erguer com o dobro da força e seguir em frente.
É fácil apagar as pegadas e sermos vencidos pelo medo, difícil, porém, é caminhar sem pisar o chão. Há que arriscar.

Wednesday, September 06, 2006



Vou - Não vou.

Quero - Não quero.

Gosto - Não gosto.

Sei - Não sei.

Vivo - Não vivo.

Canto - Não canto.

Como - Não como.

Amo - Não amo.

Viajo - Não viajo.

Divirto-me - Não me divirto.

Escrevo - Não escrevo.

Choro - Não choro.

Porque o triste não é mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.

Tuesday, September 05, 2006

Rir de tudo é coisa dos tontos, mas não rir de nada é coisa dos estúpidos!

Roterdão estava a pensar na Rita quando chegou a esta brilhante conclusão =D

Monday, September 04, 2006

O maior mistério do ser humano é tentar tirar da cabeça o que persiste no coração.

Friday, September 01, 2006

Fim de Agosto


Uma pessoa na praia caminha até à água e prepara-se para dar o último mergulho do dia. Deixou o seu grupo no areal e foi sozinha. A temperatura do mar é moderada mas depois de uma tarde preguiçosa deixa a pele arrepiada e desperta quase instantaneamente. Não sabemos se esta pessoa é homem ou mulher, nem que idade tem, nem em que circunstâncias foi ali parar. Sabemos que isto aconteceu. A identificação da personagem - ela própria distraída de si mesma enaquanto caminha - não tem qualquer importância. Dirigiu-se para o mar por reacção à inactividade e é tudo.

Mergulhou uma única vez sob uma onda e ficou num estado mental lúcido incomum. Como lhe ocorrera poucas vezes na vida: uma vez em que saiu de casa numa seca manhã fria de Inverno sem chuva e em mais um par de ocasiões igualmente prosaicas, noites especialmente estreladas, chuvas novas baixando a poeira, o que quer que fosse. Nessas ocasiões não se dera nenhum acontecimento particular, nada de significativo girara nas rodas dentadas, e a sua chave máxima estava precisamente em nada ter ocorrido e não haver mistério algum para decifrar. Por isso, e tal como dessas vezes, teve a certeza de que não se esqueceria daquele momento.
A primeira coisa em que reparou depois de regressar à superfície foi na limpidez da falésia por detrás do areal. Era, como em muitas praias, uma breve escarpa de arenito ocre, com uma linha de arbustos no topo, e que descia em modulações intersectadas pela sombra, exactamente como os panejamentos nos mármores das estátuas clássicas, dramaticamente pregueados em excesso. Via a falésia, que se encontrava a uma distância razoável, com uma nitidez mais do que perfeita, como se tivesse sido míope toda a vida e agora, - sem óculos, sem lentes -, visse prodigiosamente definidos todos os objectos, e todos os objectos ganhassem uma sobstância, um recorte e um volume de que raramente se apercebera. Sabia, genericamente falando, as razões pelas quais aquilo se dera: era fim da tarde, e talvez fosse pelo ângulo dos raios solares, ou pela trajectória das ondas electromagnéticas e a sua refracção, que por sua vez talvez tivesse algo que ver com polarização ou um qualquer fenómeno de nome semelhante. Sabia dessas razões e elas passaram-lhe pela mente embora não se possa dizer que tivesse pensado nelas. Estavam algures num plano de fundo da mente, como tudo o resto. Continuava, por exemplo, ouvindo os banhistas nas imediações. Era um mês de férias, note-se, e as férias estavam a acabar-se. E tampouco estava deserta a praia; era uma praia cheia de gente, e as crianças esgotavam os derradeiros guinchos e gritos, exigiam a atenção umas das outras para as últimas acrobacias, eram chamadas pelos adultos pela vez definitiva.
E embora a pessoa no meio da água - mulher ou homem, pouco interessa - ouvisse tudo isso sem lhe escapar a mais ínfima minúcia, nada a distraía daquela falésia erguida entre a areia cheia de gente e o céu azul escuro. Grupos de gente abandonavam a praia carregando chapéus-de-sol, toalhas e animais domésticos para onde quer que estivessem alojados durante aquele mês. Alguns exercitavam-se a poucos metros de distância, corriam, faziam jogos. O seu próprio grupo estava quase em frente, um pouco mais afastados entre estes dois planos, e esperavam. Ela via-os, mas não os via.
Isto durou, ao contrário do que leva a contar, pouquíssimo tempo. E passado esse pouquíssimo tempo a nossa personagem teve o seu primeiro pensamento. Lembrou-se de alguém que perdera pouco tempo antes.
Também aqui não se pode dizer com segurança de quem se tratava, se de um amigo próximo, se de um familiar, se de outro qualquer alguém. Pouco importa, porque sucessivamente se foi recordando de todas estas pessoas, uma de cada vez, lembrando os seus nomes e a sua presença e dizendo-se interiormente: "quem me dera que eles pudessem ver isto". "Isto" a que ela se referia não era nada de especial, diga-se a verdade, apenas uma praia cheia de grupos de amigos e famílias das mais variadas composições, e ao fundo uma falésia excessivamente nítida contra um céu de ultramarino. Uma coisa trivial, pensou, "mas eu posso vê-la - e posso sentir a água fria". Eles, os que já perdera e lhe faziam falta, não podiam.
Este pensamento, noutra ocasião, tê-la-ia vergado. É demasiado grande a diferença entre poder experimentar uma coisa - qualquer coisa idiota e insignificante que seja - e a ideia de não poder experimentar coisa nenhuma. Está nos limites do suportável; e mais ainda saber disso de uma maneira que não é abstracta, mas colocando-lhe os nomes e rostos de pessoas que conhecemos. É um peso sem qualificações. Mas a consciência que ela tinha desse peso era um pouco como os ruídos e os movimentos ali em torno, que via e ouvia plenamente sem reagir a eles. Não estava sentindo; não estava pensando. Era qualquer coisa que não era uma coisa nem outra. A consciência da falésia estava ali apenas, a consciência que tinha das pessoas que perdera estava ali somente. E ela estava ali. Eu estou aqui, e vivo, e a consciência deles está aqui comigo, como essa areia e esta água e aquela falésia. Eles não estão aqui, e eu não estarei aqui um dia. Mas isto tudo é o que há - em abundância e diversidade talvez infinitas.
No dia seguinte deu-se uma debandada colectiva da cidade onde estavam. As pessoas saldaram as contas nos hóteis e levaram as malas para fora. Jovens estudantes em férias largaram os seus empregos temporários em restaurantes e cafés. Pais e mães puxaram os filhos para dentro dos carros e ligaram as ignições. Já na estrada, accionaram os limpa-pára-brisas por causa das primeiras chuvas do novo mês que entrava. Ao abandonar as últimas ruas, os miúdos espreitaram pela janela afora e viram gente de mochila à espera dos transportes púnlicos. Tudo estava calado, vagaroso e mole.