Sunday, July 22, 2007

Como quem visita um lugar onde passou a juventude, consigo, com um cigarro barato, regressar inteiro ao lugar da minha vida em que era meu uso fumá-los. E através do sabor leve do fumo todo o passado revive-me.
(...)
É o fumo do cigarro o que mais espiritualmente me reconstrói momentos passados. (...) Por isso mais em grupo e transferência me evoca as horas que morri, mais longínquas as faz presentes, mais nevoentas quando me envolvem, mais etéreas quando as corporizo. Um cigarro ao mentol, um charuto barato toldam de suavidade alguns meus momentos. Com que subtil plausibilidade de sabor-aroma reergo os cenários mortos e empresto outra vez as cores de um passado, tão século XVIII sempre pelo afastamento malicioso e cansado, tão medievais sempre pelo irremediavelmente perdido.

Bernardo Soares, O Livro do Desassossego

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